Entrevista: Elizabeth Fernandes de Macedo
15 de outubro de 2018
Um bom projeto de escola não pressupõe que pais de alunos e professores são inimigos. E o lugar da escola é justamente o de valorizar o ser humano para além de sua capacidade laboral. Essas estão entre as ideias defendidas pela professora e pesquisadora Elizabeth Fernandes de Macedo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nascida em uma família de classe média baixa, ela sempre foi bem-sucedida na academia: formou-se em Engenharia Química, depois fez mestrado e doutorado em Educação, além de pós-doutorado na Universidade de Columbia. Dedicada ao estudo do currículo, ela escreve também sobre a cultura da performance nas escolas e a busca desenfreada por “resultados” quantificáveis. Estamos em um momento altamente sensível da trajetória humana, em que a emergência das Inteligências Artificiais em larga escala e a ameaça ambiental forçarão o ser humano a repensar ideias como progresso, produtividade, desenvolvimento e riqueza. Elizabeth conversou com a Editora do Brasil sobre o Ideb e o Pisa, dois instrumentos de avaliação em larga escala com grande repercussão em políticas públicas, papel da educação na valorização do ser humano frente a esses desafios. Confira!
Editora do Brasil: A senhora tem um currículo muito extenso e uma trajetória peculiar, pois começou a carreira na química antes de se dedicar à educação e ao currículo. Por que essa escolha?
Elizabeth de Macedo: Fiz escola técnica no Ensino Médio, porque era uma boa escola pública. Como fiz o ensino técnico na área de química e nessas escolas você acaba já sendo direcionado para a área, fiz graduação e mestrado em química. Me interessei por educação enquanto trabalhava no laboratório. No início, trabalhava com currículo de química, depois me interessei pelo debate sobre avaliação. No início dos anos 2000, a questão do multiculturalismo era muito forte. Foi assim que direcionei meu trabalho para políticas públicas no currículo que favoreciam ou não a representatividade de segmentos vulneráveis da sociedade na escola. Como políticas públicas agem no acolhimento da diversidade? Como se representa a diferença nesses currículos?
Editora do Brasil: Você também tem ampla experiência internacional. Gostaria que falasse um pouco sobre as particularidades da realidade brasileira e os desafios da inclusão.
Elizabeth de Macedo: Na época da ditadura, somente cerca de 60% das crianças em idade escolar ia de fato à escola. No processo de redemocratização, houve um processo primeiro de inclusão – de partes da população que antes estava excluída da escola – para depois pensar-se em avaliar a qualidade. Não é a criança pobre que trás problemas para a escola, mas sim a falta de investimentos. Sabemos o que são as boas escolas: são aquelas onde há investimento e respeito, onde os professores se dedicam exclusivamente à escola. Lógico que a massificação do ensino trás tremendos desafios. A escola pública brasileira tem que lidar com uma imensa desigualdade, onde há gente que paga 60 reais para estacionar o carro, enquanto acha ruim uma família pobre receber 60 reais do governo via Bolsa Família.
Editora do Brasil: Há quem diga que as universidades sugam muitos recursos, que poderiam ajudar a Educação Básica….
Elizabeth de Macedo: Soluções fáceis todo mundo pode oferecer. A universidade no Brasil é muito reduzida, então dizer que é a universidade que causa problemas na Educação Básica é má fé. As universidades federais não são caras e são responsáveis por quase toda a pesquisa feita no país. Agora, o acesso à universidade também precisa ser universalizado.
Editora do Brasil: Em seu texto, “Cultura performativa e pesquisa em educação: desafios para a ação política”, você fala em uma cultura dentro das universidades de comparação, julgamento e autogerenciamento. Essa cultura do bom desempenho também está presente na Educação Básica. Como essa busca por uma boa colocação em rankings em boas notas em avaliações afeta as escolas?
Elizabeth de Macedo: Escolas boas são aquelas que investem. Por exemplo, o Pisa. Não sei porque estamos no Pisa. Essa é uma prova e participação voluntária, em que inclusive pagamos para participar. Há duas formas de se dar bem no Pisa e uma delas é treinar para a prova. No Rio de Janeiro, se melhorou os índices do Ideb tirando as crianças repetentes das provas e as colocando em projetos de recuperação. A própria prova pode produzir diferenças. Por exemplo, habilidades atitudinais dependem de um padrão cultural.
Editora do Brasil: O que significa “cultura performativa”?
Elizabeth de Macedo: É a ideia de que precisamos produzir resultados. É um discurso normalizado posto. Mas também é preciso pensar sobre o que determinados resultados produzem para nós. Nos últimos anos, vem desaparecendo a ideia de educação, que é substituída pela ideia de ensino. A educação se dá na convivência subjetiva, em que os sujeitos vão se constituindo subjetivamente. Ou seja, é um processo muito mais complexo. Não posso reduzir o processo educativo ao domínio de determinados conteúdos, porque a convivência com o outro é fundamental. A cultura performativa faz essa redução.
Editora do Brasil: Você diria então que é lugar da escola lutar pela valorização do ser humano para além da capacidade laboral?
Elizabeth de Macedo: Sim, sem dúvida é precisamente esse o lugar da escola. Essa ideia de que a escola está ali para formar gente para o mercado de trabalho surge nos anos 20, quando a população – no mundo desenvolvido ocidental – veio em massa para as cidades. Não podemos acreditar cegamente em políticas que se propõem a prever o futuro – a partir do levantamento de dados nas escolas. É uma balela. Estudos nos anos 1980, de Michael Young, já se debruçavam sobre mudanças no currículo para que as escolas preparem crianças para o mercado de trabalho. Aqui no Brasil temos uma cultura de educação crítica, uma pedagogia crítica, uma resistência muito grande em embarcar na cultura performativa. Visitei projetos de escolas na Bahia, projetos muito bons mas que produzem uma escola que não é feita para testagem. Dito isso, é preciso ter em mente que um discurso centrado em resultados não é a mesma coisa que ter posturas reacionárias e fascistas.