Protagonismo juvenil: a conquista de uma trajetória
24 de fevereiro de 2021
A expressão protagonismo juvenil se tornou um desafio para os professores. Para muitos, ela “caiu de paraquedas” na sala de aula com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Porém, para começar a perceber e construir um caminho autoral para o estudante, vamos iniciar contextualizando uma das trajetórias do protagonismo juvenil percorrida no Brasil.
Onde pode estar o início do fio da meada?
O educador mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa, um dos principais redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e autor de diversos artigos e livros sobre educação, trouxe o surgimento da expressão protagonismo em 2001, na obra “Tempo de servir: o protagonismo juvenil passo a passo, um guia para o educador”. Nela, ele situa que “a palavra passou a ser usada no teatro e na literatura para designar os atores principais de um enredo teatral ou as personagens principais de uma trama literária. Mais recentemente, a sociologia e a política, com base na ideia de atores sociais, passaram a chamar de atores “protagônicos” ou de protagonismos os agentes principais de um movimento ou dinamismo social” (COSTA, 2001a, p. 11).
A expressão “atores sociais” ganhou força na passagem do século.
Nas duas últimas décadas, esse conceito foi sendo discutido no Brasil e também internacionalmente, e se ampliando nas atitudes dos jovens em ações sociais de suas comunidades. A visão de trabalho colaborativo levava o estudante a participar de ações extracurriculares na escola e também na comunidade, ressaltando o potencial dos jovens como parte da solução e não do problema, como se refere Antonio Carlos no mesmo livro. Mas o conceito ainda não havia chegado à sala de aula.
Cada vez mais, o protagonismo social adquiriu força diante de questões sociais. Hoje, são muitos e muitas ativistas, mostrando-se verdadeiros protagonistas, reivindicando questões que atingem sua comunidade, a cultura de seu país e alcançando questões internacionais.
Qual adição ocorreu com a expressão “protagonista”?
Outro fator se une ao pensamento do educador Antonio Carlos. Você percebe o que se agregou ao desenvolvimento dos jovens na primeira década do século XXI? Quando o foco ainda se encontrava na força que as atuações dos jovens vinham adquirindo em ações nas organizações da sociedade civil (ONGs), a evolução tecnológica construiu um novo perfil de estudante, o chamado nativo digital.
E qual foi a real evolução?
As expressões muitas vezes adquirem corpo pelas inúmeras vezes em que repetimos e entram no cotidiano sem percebermos seu real significado. “Evolução tecnológica” pode ser uma delas. Muitos podem, neste sentido, responder apenas às facilidades como a do Ctrl + C / Ctrl + X / Ctrl + V. Outros podem associar aos avanços das redes sociais, que caminharam de forma rápida tornando o computador e os celulares em extensões de seus usuários.
Voltando à pergunta anterior, é possível buscar a resposta e compreender o impacto gerado na sala de aula ao visualizar uma comparação entre um “manual escolar” e um videogame? Relembrando, muitos manuais procuram apresentar metodologicamente os conteúdos de forma organizada, hierarquizada, ordenada num esquema conceitual. E os games propõem desafios.
Você já pensou no que um game propicia ao aluno?
Um game, de qualquer nível e proposta, leva o estudante a vencer desafios tornando-se o condutor da ação, definindo estratégias, sentindo-se vitorioso ao passar de fases com a agilidade dos dedos no joystick (controle) e o olhar fixo na tela. Por poder jogar em qualquer horário, vivencia estas sensações de conquistas em todos os lugares, sozinho ou em interação com outros jovens, o que lhe traz o sentimento de pertencimento a uma comunidade. Resumindo, estamos falando de um jovem movido pelo estímulo, a uma agilidade mental conduzida por rápidos movimentos que desenvolve a criatividade e estratégias na busca de resoluções para vencer desafios necessários para a conclusão de fases e progressão para as seguintes, com novos desafios. Poderíamos ampliar estas características para as redes sociais, possibilitando a destreza de estar dialogando com vários parceiros, em redes diferenciadas e, muitas vezes, ainda executando outra ação. São perfis horizontais.
A expressão “protagonista”, com a evolução tecnológica, começa a ser associada também a um estudante com um perfil multifacetado, conectado em redes e muitas vezes tendo sua “agilidade” reconhecida e premiada. Você já pensou o que isso significa? Pode significar, por exemplo, pouca paciência para propostas que não dialogam com os hábitos de seu cotidiano. Por quê? Os estudantes, usuários de games, demonstram outras habilidades como: persistência em vencer em ações contínuas; não são passivos, assumem riscos; possuem atenção a detalhes, assim como a habilidade e estratégias em resolver problemas, além de “surfar” em várias situações ao mesmo tempo.
Como propor e mediar o protagonismo juvenil na sala de aula?
O estudante pode não demonstrar, mas está, dentro de sua forma de se relacionar, atento às questões de sua comunidade, muitas vezes “discutidas” apenas em suas redes sociais. Uma nova pergunta: eles têm espaço para trazer estas questões para sala de aula?
Muitas questões sociais abarcam diversos conteúdos e demandam competências no desenvolvimento de um projeto. Iniciar uma proposta pelo estímulo à discussão sobre ele, onde se revela diversidade de percepção e compreensão, fomenta o processo de aprendizagem, que passa pela fala, escuta, argumentação e a contra-argumentação, o questionamento e a reflexão. Ações essas necessárias para o profissional do futuro, que pode se tornar protagonista em uma área ainda não existente, demandando competências e habilidades não trabalhadas na sala de aula “tradicional”.
Essas ações, quando bem mediadas, geram conexões que, além de propiciar experiências significativas e conhecimentos relevantes, permitem aflorar o protagonismo do aluno que irá, individualmente ou em grupo, estabelecer uma proposta de investigação em campo, embasada por pesquisas científicas.
Perfil do estudante da era digital
Os diversos aspectos que podem embasar cada proposta direcionam para a diversidade no seu desenvolvimento e retorno dos resultados, permitindo a todos examinarem suas argumentações, que diluíram ou se fortificaram, mediante a caminhada estabelecida. Esta possibilidade de se expressar livremente e percorrer um caminho aprendiz está em consonância com o perfil do estudante da era digital. Ele define e percorre uma trajetória e este percurso torna-se a base de seu aprendizado, por ter sido experienciado e não apenas executado.
Nos dois momentos de exposição do estudante, no início da busca da proposta a ser desenvolvida e na apresentação de seus resultados, onde deve existir espaço para a voz de cada um dos participantes, devem trazer os motivos pelos quais a questão abordada foi significativa. Nesses momentos, o potencial de mediação do professor propicia aflorar a potencialidade de cada um dos alunos. Os games nos ensinam isso.
Referência bibliográfica
Costa, Antonio Carlos Gomes da. Tempo de servir: o protagonismo juvenil passo a passo, um guia para o educador. Belo Horizonte: Universidade, 2001a.
Berardi, Franco. Depois do futuro. São Paulo. Ubu editora. 2019
Sibilia, Paula. Redes ou Paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de janeiro: Contraponto Editora, 2012..
* Por Maria Helena Webster e Equipe de Linguagens